quarta-feira, 12 de outubro de 2011

História de uma princesa


“Sou uma princesa. Sim, sou. Não pense que estou me exaltando por isso.
Não posso deixar de contar minha história.
Atualmente, vivo protegida pelos guardas do meu reino. Por onde ando, sou escoltada por eles, dia e noite, de forma indefectível, servos fiéis do meu pai. Sei que princesas de outros reinos poderiam ficar aborrecidas com esse tipo de tratamento, mas eu o considero bem mais que bem-vindo, somado ao fato de que vivo exposta a muitos perigos. Bem, isso é porque nem sempre fui uma princesa, mas essa é uma longa e triste história.
Eu era escrava de um lorde em outro reino. Vivia na miséria, suja e em trapos, carregando um alforje que era o meu único fardo, contendo nada mais além de pedras, do qual eu não podia, no entanto, me livrar [1]. Onde quer que eu o deixasse, as pessoas o apontavam dizendo a mim que eu o havia esquecido, ou o traziam, solícitas, à minha mão. Porém, eu não via sentido em carregá-lo, e desejava livrar-me dele. Todos os escravos daquele reino tinham, cada qual, o seu fardo. Se eu tentasse jogá-lo no rio, os soldados do reino me abordavam dizendo que eu era obrigada, pela lei, a carregá-lo, e como faziam o que quisessem dos escravos, então não ousei afrontar seus comandos. Às vezes chegava a libertar-me do alforje secretamente, mas, misteriosamente, ele reaparecia em minha frente.
Vivia sem esperanças de ver-me longe do fardo, acostumada àquelas vestes sujas e, muitas vezes, atolando-me no Pântano do Desânimo, viajando por lugares ermos e escuros, como a Vila da Decepção, e quando adormecia, entregava-me a um sono de quase uns vinte anos.
Ao acordar, ainda estava no Labirinto do Engano, ou no Palácio da Hipocrisia, buscando alguma sabedoria que pudesse dar tino à vida. Porém, os que pareciam os mais sábios se revelaram os mais tolos e infortunados, e então passei a preferir a morte àquele reino de trevas, escuridão, loucura e aflição. Como estivesse debilitada demais, pedi à sabedoria que viesse até mim, porque não conseguiria mais persegui-la em vão.
Foi quando surgiu um homem de aparência calma e benévola, vestido em vestes limpas, embora simples, o qual me disse que eu não precisava mais levar o meu fardo. Seu olhar transmitia um amor insondável. Perguntou-me se eu era demasiado teimosa para seguir a voz da sabedoria, e se eu estaria disposta a mudar-me para outro reino, mesmo tendo de seguir por uma estrada estreita e um caminho pedregoso até lá. Respondi que não teimaria à voz da sabedoria, porque ansiava por ela [2], e que não via mais sentido algum em carregar aquele fardo de um lado para outro, ou servir às festas pomposas no Palácio da Hipocrisia. Disse que renunciaria a tudo e faria o que a sabedoria ordenasse.
Então o homem disse: “EU SOU a sabedoria [3]. Dê-me o fardo”. Num gesto inesperado, ele estendeu a mão em direção ao meu alforje, e quando o entreguei, jogou-o para bem longe. Os soldados do reino observaram de longe, indignados, porém, sem se aproximar do homem.
“- Não entendo, Senhor! Por que jogou o fardo fora e não foi abordado pelos soldados violentos? Eles nem sequer se aproximaram de sua pessoa. És acaso o Rei do Reino onde me convidas a morar? Isso nem sequer permeou meus pensamentos, porque estás vestido como um de nós, ou seja, de forma singela”.
“- Eu o joguei fora porque não preciso carregá-lo novamente. Já carreguei o fardo de todos esses homens de uma vez por todas [4]. Ninguém, em verdade, precisaria continuar carregando este peso, porque a pena que estão cumprindo já foi paga por mim, no Calvário. Para ver-se livre dele, bastaria chamar e ouvir a voz da sabedoria [5].”
Então, sem saber com quem eu falava, surpresa em todos os meus sentidos, perguntei: “quem é o Senhor?”
“- Eu sou o Rei do Reino de onde vim, e estou aqui com o fim especial de te resgatar para mim. Nestas vestes simples vim lavar seus pés cansados. Você me seguirá e, após enfrentar o caminho pedregoso, habitará no Reino dos Justos junto a mim, e serás para mim como filha única no meio de tantas iguais a você. Nada te faltará. Eu serei o seu Pai, e seu Rei, e te darei vida plena e abundante. Estarei contigo durante toda a jornada. [6]
Foi assim que me tornei uma princesa. Sou amada pelo Rei, que me adotou, e todos os habitantes do Reino, e escoltada pelos seus guardas, dia e noite, sem cessar, durante todo o percurso até o Palácio. Isso porque sou muito preciosa para meu Pai (tenho tanto valor para ele que até enfrentou a morte por mim). Ele me deu a coroa da vida [7] e a espada da Palavra, além do escudo da fé [8] e outras ferramentas para me manter incólume contra as setas do inimigo. Sim, o reino do qual eu era escrava, os soldados do lorde daquele reino.
Minha luta não é mais contra meu fardo ou contra pessoas, mas com os chefes daquele reino, que odeiam meu Pai e seus filhos. [9]
Meu Pai mandou-me caminhar pelas estradas em busca de mais peregrinos que buscassem a sabedoria. Ordenou que eu vestisse trajes simples e lavasse seus pés, e os resgatasse usando a espada da Palavra, do mesmo modo como me foi feito [10].
Disse-me, com ênfase, para servir, ao invés de ser servida [11].
Esta é a minha história. Se os homens me têm por sábia, considero que a sabedoria habita em mim, e assim lhes revelo seu nome. O nome do lorde do reino contrário é satanás, seus soldados são os demônios, o fardo pesado é o pecado, os guardas que me escoltam são os anjos do Senhor, e a sabedoria, a verdade e a vida são Jesus."



[1] 
Efésios 2
1. Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados,
2. nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar, o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência.

3. Anteriormente, todos nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira.

4. Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou,

5. deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos.



[2]
Provérbios 9

10. O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo a prudência.

[3]
Provérbios 8


[4]
Isaías 53
4. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós o consideramos castigado por Deus, por ele atingido e afligido.
5. Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniqüidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados.



[5]
João 8

32. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.


[6]
Mateus 28

20. [...] e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.


[7]
Apocalipse 2

10. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.


[8]
Efésios 6
13. Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo. 
14. Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça 

15. E tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. 

16. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. 

17. Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.



[9]
Efésios 6

12. Pois a nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais.


[10]
João 13
13. Vocês me chamam ‘Mestre’ e ‘Senhor’, e com razão, pois eu o sou. 
14. Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. 

15. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz.



[11]
Marcos 10
43. [...] quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; 
44. E quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. 

45. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.